Mudando o Ponto de Equilíbrio da Humanidade
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Mudando o Ponto de Equilíbrio da Humanidade

Vladimir Dietrich · September 22, 2025 ·7 min read

Proponho que a automação generalizada, ou seja, robôs e inteligências trabalhando no lugar de nós, humanos, nos empurram para fora de um ponto de equilíbrio que ficou estável durante um bom tempo - até que criássemos, com nossa própria dedicação, quem trabalhasse por nós, cada vez mais, em mais áreas.

Estávamos bem equilibrados na criação de crianças para o mercado de trabalho, obedientes e criativas. Casamentos mantendo a procriação sem interromper o fluxo de trabalhadores indo trabalhar. Idosos não incomodam muito aqueles que trabalham. Poderíamos chamar este conjunto de comportamentos como um equilíbrio estável.

Os próprios pais, sempre fora de casa indo trabalhar cedo, estimulam os filhos que, também cedo, sentam para estudar, que é, não por coincidência, uma preparação para o trabalho, logo a frente.

Se não escrevemos sobre isso, podemos tranquilamente achar que isso -é- a vida. Nos acostumamos. Nos equilibramos.

Mesmo a lógica, além da intuição, consegue tatear que nossa massa encefálica é muito mais elástica do que se acomodar em um único tipo de equilíbrio social. Ela pode se adaptar a muitos tipos de equilíbrios, não? Não há resposta certa, ou equilíbrio certo, para um trilhão de conexões sinápticas que temos, cada um de nós. Mais a vontade de se conectar. Nosso conjunto de sistemas.

Esses parágrafos anteriores tentam nos preparar para poder concluir que nada impede que outro equilíbrio apareça, para tomar o lugar deste equilíbrio anterior que por tanto tempo nos acomodou.

Mas se criamos tanto no equilíbrio do trabalho, com inovações permanentes, por que agora, a inovação da automação, mudaria nosso equilíbrio social? Não seria apenas mais uma inovação dentro do equilíbrio social, sem mudar nosso equilíbrio social, como foram as inovações do carro, telefone, internet (etceteras)?

Inventamos o carro e não mudamos o equilíbrio de estudar, trabalhar, aposentar. Idem para o telefone. Idem para a internet (etceteras).

Por que a automação generalizada mudaria nosso equilíbrio?

Acho que muda.

Por quê?

Porque rompe com a necessidade de trabalharmos. Agora pra valer.

Se esta hipótese estiver correta, como será este novo equilíbrio?

Não faz muita diferença tentar prever um eventual novo equilíbrio. Ele simplesmente acontece. Se estabelece. Textos futuristas, mais ou menos corretos, raramente conseguem influenciar o novo ponto de equilíbrio.

O novo ponto de equilíbrio depende muito pouco de abstrações sobre como ocorrerá, e muito mais do equilíbrio de forças que acontecerá por não mais ser necessário trabalhar - e, portanto, não mais ser necessário estudar para trabalhar; e, portanto não mais ser necessário deixar os mais velhos no ostracismo; e mil outras interações de forças sociais e culturais.

Mas, por esporte, podemos tentar imaginar a direção, quem sabe pelo menos isso, deste novo ponto de equilíbrio.

A base do raciocínio é não mais ser necessário trabalhar, ou quase nada trabalhar, para obter as mil coisas que cada vez mais máquinas, robôs e inteligências artificiais fazem sozinhas, para nosso usufruto.

Podemos descartar um pessimismo natural ao encarar mudanças para deixar o texto menos previsível, pulando direto para o novo futuro. As crianças são muito boas nisso: seus novos cérebros abraçam o novo, enquanto gerações anteriores frequentemente lamentam o novo.

Como será este novo ponto de equilíbrio, usando o ponto de vista abraçador de novidades dos cérebros novos?

Receberemos uvas de roboôs?
Receberemos uvas de roboôs?

A imagem de uvas sendo automaticamente servidas para nós humanos, deitados e relaxados, só é nova pela presença do robô e pela universalização teórica possível disto acontecer com todos.

Culturalmente, porém, conhecemos a imagem de um humano sendo tratado com todas as regalias possíveis, sem a necessidade de muito, ou nenhum, trabalho em contrapartida.

Culturalmente esta imagem se assemelha a um herdeiro (infinitamente) rico.

Só que ao invés de ser servido por outros humanos, agora qualquer humano seria servido por incontáveis robôs.

Seríamos - seremos? - herdeiros das gerações que, ainda hoje, trabalham incansavelmente para montar este tipo de futuro.

Importa mais saber que este cenário não é novo, apenas a universalização do cenário é que é nova.

Como seria uma cultura em que todos poderemos ser herdeiros de abundância infinita?

Essa é uma maneira de enxergar a automação em altíssimo grau de aplicação, siga comigo o raciocínio: como uma macieira produz maçãs sem a necessidade de nossa intervenção, apenas transformando sol, água e nutrientes no ar e na terra, robôs e chips podem, cada dia mais, transformar sol, água e nutrientes em coisas que humanos não precisam mais trabalhar para disponibilizar.

A automação em altíssimo grau funciona como a natureza: deixa cair, “do céu”, como as frutas caem de árvores, a natureza habilmente transformada em objetos e serviços que queremos disponibilizar.

Também como o exemplo da macieira, a produção ocorre em um ciclo auto suficiente: a semente cresce, cria a fruta que alimenta ou cai, fungos decompõem, reinicia o ciclo.

Podemos supor que a automação faz uma boa dança cíclica com a natureza, cada dia mais, com a inteligência dos humanos trabalhando hoje.

Para que os herdeiros, realmente, sejam rodeados de “macieiras” que produzem tudo. Não somente maçãs.

Agora chegamos em um ponto de pergunta: o que vamos querer produzir?

Mesmo sabendo que tudo será auto suficiente, automático, o que iremos querer produzir?

Essa é uma pergunta mais avançada, que pula a vontade que temos de gerir problemas intermediários, como criticar a poluição, ficar desasado ao sequer imaginar não precisar trabalhar para ter tudo, entre outras polêmicas que tanto gostamos de futricar - talvez para não enxergar o que está adiante das polêmicas.

Para adiante das polêmicas, ou seja, com as polêmicas resolvidas - vamos supor para enxergar? -, podemos não querer enxergar o que haverá depois.

Basicamente haverá “uvas” enquanto ficamos “deitados”?

Talvez iremos começar a perceber nossa prisão dos sentidos: o desejo sexual, o desejo de correr, brincar, participar da dança que conta com a aleatoriedade de uma bola em quadras de esportes em variados esportes, o desejo de premiação, o desejo de descansar. (Etceteras).

Acabaremos percebendo que nosso DNA animal não está pronto para sentar ou deitar e receber “uvas” por cem anos.

Podemos mudar nosso DNA. Podemos estender por quanto tempo vivemos.

Mas neste caso, com o “papel em branco” do designer, que desejos colocaremos na nova espécie que criarmos?

Avanço para este assunto porque a conclusão da automação plena é que perceberemos com ainda mais força que somos animais no meio de tanta abundância. Presos a desejos animais, primatas, especificamente humanos, mas animais.

Mas e se, então, mudarmos nosso comportamento? Nosso DNA, nossa programação, nossa biologia?

Suponha possível, só por esporte.

Neste caso poderemos sair da “prisão animal”: desejos, competir, inveja, raiva, sexo, ironia, rir.

Quem definirá o novo desenho? Certamente o consenso será quase impossível. Mas alguém ousadamente irá desenhar uma nova raça para lidar com abundância total.

Não mais morrer, alimentos abundantes, produtos e serviços abundantes.

Qual biologia combina com este tipo de abundância?

Um budista desenharia uma nova raça sem desejos. Se não houvesse desejos, nem precisávamos de tanta automação? Morreria de fome uma raça sem desejos?

O desejo pode ser ferramenta para não morrer de fome.

Mas em um mundo de abundância não é mais necessário tanto desejo, tanta luta assim, para obter coisas.

Poderíamos então diminuir muito o desejo?

Paro por aqui, mas notem o terreno fértil de possibilidades.

Notem, também, que meu texto não segura nem direciona este destino: trabalhamos, hoje, para ter esta tal automação total, compatível com a natureza, ou seja, permanente.

Não vejo a humanidade dar meia volta e voltar.

Não vejo, também, como conciliar nosso lado animal com abundância total - nossos desejos vão ficar sem objetivos reais - e, tampouco, não enxergo um designer de nova biologia conseguir desenhar algo muito diferente do que um tipo de robô de carbono, com quase nenhum desejo, para ficar tranquilo em meio a tantas uvas, maçãs, produtos e serviços abundantes, sem precisar se retorcer muito, com menos hormônios. A ausência de desejo derruba a necessidade de tanta abundância, notadamente as marcas que tentam causar inveja, poder, todas atreladas a grandes desejos.

Vamos observar a transição dos tempos?

A lenta transição já nos oferece dicas de novos comportamentos, a cada nova manhã. ☀️