Juventude eterna: uma tirania?
Vou chamar de síndrome de Peter Pan o desejo por jamais morrer e, também, sempre permanecer jovem e saudável.
Parece bom, não?
Esta ficção está começando a flertar poder se tornar realidade. Pesquisas parecem estar conseguindo modificar nosso envelhecimento, incluindo revertê-lo. David Sinclair é uma referência, entre outros cientistas, nesta pesquisa.
Ninguém melhor que David Sinclair e cientistas do ramo para falar sobre a possibilidade de reversão do envelhecimento.
O que falo eu, então, aqui? Quero falar sobre essa síndrome de Peter Pan que resumi no primeiro parágrafo.
Quero questionar por que motivo poderíamos querer ficar jovens para sempre ou por milhares de anos.
Quero questionar, mais ainda, por que escolhemos a opção jovem, talvez entre 20 e 30 anos, para viver eternamente.
Meu argumento é de que as fases da vida têm características importantes e, talvez, não haja uma hierarquia em que ser jovem sempre vença.
Será difícil argumentar que ser velhinho, incluindo doenças e debilidades, seja algo positivo. Concordo: doenças e debilidade, dificuldades de movimentos e pensamentos em comparação com idades anteriores não parece bom.
Mas quero focar em coisas que podem parecer boas, mesmo após não mais sermos jovens.
Conhecimento não é um bom argumento, concordo também. Apesar de adquirirmos mais conhecimento ao longo do tempo com o envelhecimento, as tecnologias que permitem permanecer jovem por milhares de anos não impedem o acúmulo de conhecimento. Concordo.
Me resta o argumento hormonal. Comportamental. Quero propor que temos comportamentos importantes de acordo com fases de nossas vidas.
Um importante comportamento que noto é o desejo sexual quando jovens. Podemos considerar isto como uma referência de corpo saudável, mas aqui entra meu argumento, podemos, também, considerar o desejo sexual como uma fase humana, que pode ser ultrapassada quando já não precisamos pensar em sexo dia sim, dia também.
Nosso livre arbítrio pode ser bem menos livre de acordo com os hormônios que circulam em maior ou menor quantidade em nosso corpo.
Usando o desejo sexual como uma referência fácil, gostaria de propor que vários outros micro comportamentos podem, também, caracterizar nossas fases ao longo das variadas décadas de nossas vidas.
Em minha hipótese, pode ser que ao invés de livre arbítrio puro, nossas fases nos empurrem para comportamentos variados, regidos por hormônios, conhecimentos e até por doenças.
Pode ser que uma calma em uma fase avançada seja impulsionada por menos testosterona e certas debilidades de movimento. Não sei. Mas podem incluir as doenças tanto quanto a mudança hormonal no comportamento favorecido em cada época.
Pode ser que a dificuldade de raciocinar tão bem favoreça uma menor impulsividade para resolver os problemas do mundo.
E vice-versa. Um raciocínio hiper-ágil pode nos empurrar para tentar resolver todos os problemas do mundo.
E agora? Se considerarmos cada fase como uma entidade importante, desconsiderando portanto a velhice que só aumenta com a idade, qual fase deveríamos privilegiar ao poder eternizar uma vida (ou viver cem mil anos)?
Vejo a ciência buscando a fase adulta mais jovem, entre vinte e trinta anos, como referência para uma vida hiper-alongada, caso e quando isto possa acontecer no futuro.
Como Peter Pan. Sempre jovem.
Algo ainda mais pitoresco é descobrirmos que a fase do final da vida - quando pouco andamos e somos bem frágeis - pode, eventualmente, ser uma preparação para a morte, sem grandes transtornos.
Por exemplo: o motor vai parando, tudo fica mais devagar - inclusive os desejos de mudar o mundo e espalhar sêmen, até mesmo os desejos de espalhar conhecimento - e, finalmente, a cortina vai se fechando e fecha.
Com dor, assim como dor ocorre em qualquer idade, mas também com consciência.
Se este meu conjunto de hipóteses tiver algum sentido, nascer, viver cada fase, incluindo descer a cortina e depois morrer passam a ser algo com grande sentido.
Assim como, sem minhas hipóteses, faz muito sentido querer viver o máximo possível, o mais jovem possível, como um grande jogo de videogame - com apenas uma fase - que não queremos parar nunca de jogar.
Ou um meio termo: paramos quando quisermos.
O mercado de consumo já é direcionado para jovens, então é ainda mais natural, até mesmo do ponto de vista de marketing, a ciência do anti envelhecimento também ser direcionada para a idade jovem.
Se não houvesse hierarquia entre as idades, então até mesmo a idade pouco antes de morrer e sua parceira a subsequente morte seriam comportamentos válidos, encerrando, portanto, a eternidade do que chamei de síndrome de Peter Pan.
Nada sabemos, estamos aprendendo e, mais ainda, nem há um certo e um errado.
Deixo a reflexão.