Adeus, empresariar
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Adeus, empresariar

Vladimir Dietrich · August 11, 2025 ·2 min read

Sinto que empresariar asfixia as outras etapas de nossa vida.

Quais etapas? As etapas em que ainda somos crianças e as etapas em que somos gradativamente expulsos do mercado de trabalho.

Que argumento estranho é este?

Este argumento pretende dar valor a etapas da vida que, talvez, sejamos culturalmente condicionados a subvalorizar.

Minha tese é a de que a vida profunda começa desde sempre, e não apenas, gradativamente, quando vamos nos acomodando no mercado de trabalho.

Mas as empresas querem o nosso miolo trabalhador da vida.

As empresas não são pessoas. São abstrações que visam bons trabalhos, usualmente gerando lucro quando trabalham bem.

Visar bons trabalhos exige recrutar os melhores profissionais para si. Na medida do possível.

Há alguns séculos nós precisamos trabalhar para manter “tudo” mais ou menos funcionando.

Estes séculos de foco em trabalho nos condicionam a preparar as crianças para o trabalho e, após o trabalho, preparar os mais velhos para a expulsão do mercado de trabalho.

Creches e asilos, poderíamos resumir em dois serviços conhecidos.

Esta tese pode ganhar relevância caso seja verdade que a automação, agora turbinada pela inteligência artificial, consiga expulsar os humanos do foco no trabalho.

Robôs e IAs poderiam trabalhar mais - cada vez mais e mais - por nós.

Na prática do dia-a-dia, esta tese pergunta:

Quantas horas da vida de uma criança babás precisam substituir os pais, que estão trabalhando?

Incluindo as próprias babás, que podem precisar deixar seus filhos com outras pessoas por algumas horas também.

É em pontos como este que sinto que a cultura do empresariar subvaloriza as demais fases da vida.

As crianças são focadas em estudar. Preparar-se. Para quê? Para o trabalho, principalmente.

Os idosos, lindas fontes da mais profunda experiência, ficam solitários, pois o resto do mundo está trabalhando - ou em creches.

A alegria profunda de um bebê, ou de uma criança em variadas idades, é menor por não poder trabalhar ainda?

Nada menor. Eu diria que é uma fase única, de uma alegria infinita.

Mas tratamos como se fossem pessoas inferiores, no sentido de que não podem trabalhar ainda.

Um dia poderá não existir mais esta pequena tirania do trabalho, sugando as fases anterior e posterior da vida para dentro de seu redemoinho empresarial.

Aí, humaninhos e humanões, de todas as fases, terão seu riso, seu choro, sua descoberta, sua constatação, sua palavra, valorizadíssimos, sem ser empurrado para dentro ou para fora de um redemoinho de CNPJs.

Vamos observando?.